As chamadas ferramentas sociais (redes sociais, wikis, twitter etc.) vêm trazendo questões novas para as organizações, relacionadas aos impactos da colaboração social. E, mais precisamente, por isso: colaboração social não é colaboração organizacional.

Por meio dessas ferramentas, os cidadãos usuários de um serviço público podem trocar informações entre si e também interagir coletivamente com a organização pública. O provimento dos serviços públicos passa a contar com meios inovadores para a incorporação desse conhecimento coletivo, que é gerado socialmente, não apenas no interior da organização.

Os formatos de colaboração, as estruturas de articulação e os papéis entre os atores na colaboração interna em uma organização são bastante específicos; e, em certa medida, trazem questões mais familiares e menos complexas, se comparados ao que apresenta a colaboração social.

Mesmo se pensarmos além da colaboração interna e considerarmos algum nível de colaboração da organização com atores externos – os clientes ou usuários de serviços, por exemplo – ainda estaremos falando de colaboração em termos bastante específicos: normalmente, de contribuições individuais de cidadãos isolados frente à organização, excluída a colaboração entre eles. Estaremos falando da colaboração do cidadão com uma organização, na qual é resguardado o papel social da organização em seu contorno frente ao que lhe é exterior.

Porém, os problemas que vêm sendo colocados agora têm contornos diversos. Para sumarizar: transitamos do problema da colaboração em ou com uma organização para a questão da organização da colaboração social.

Com isso, os próprios conceitos de governo e de organização governamental ficam algo afetados. Frente às possibilidades que se abrem, a organização governamental pode se questionar quanto a seus papéis como autoridade decisória e provedora de serviços públicos, para reavaliar seu lugar como um ator (destacado, mas um dentre outros) na organização social desse provimento.

Porém, claro que estamos muito longe (muito mesmo) de poder dizer, por exemplo, que “o público”, por meio da auto-organização de redes sociais, possa ocupar lugar relevante no trato da coisa pública, dispensando organizações governamentais. Nada no horizonte nos autoriza a tanto. E pelo contrário: o que se anuncia, por enquanto, é que a colaboração social em governo depende, fundamentalmente, da participação das organizações governamentais responsáveis pelo provimento de serviços públicos. Creio mesmo que, só com a participação ativa dessas organizações, essa colaboração possa corresponder às oportunidades que abre.

Fica colocada, portanto, a tarefa de pensar estratégias governamentais relativas à colaboração social e produção coletiva de conhecimento em governo. Retomo o assunto em outra postagem. Uma introdução a essa discussão pode ser lida no trabalho que apresentei
sobre o assunto, pelo GATI, ao CONSAD 2009.
Adotar uma política de inovação em governo, como está fazendo o Governo de São Paulo ao instituir o decreto 53.963, pode ser entendido nos dias atuais como a alternativa mais arrojada para a melhoria dos serviços públicos.

Na semana passada, ao gravarmos um podcast entrevistando Roberto Agune, coordenador do Grupo de Apoio Técnico à Inovação do governo paulista, ficou clara a distinção entre a inovação tecnológica e a inovação em gestão governamental, bem como os princípios norteadores desta segunda.

Fazer uso de tecnologias para operar mudanças institucionais é uma tática comum mas, para além, ao buscarmos a estratégia e o posicionamento do governo no segmento da inovação, vemos que é preciso planejar com convergência e visão.

O governo australiano, por exemplo, desenvolveu uma Agenda da Inovação até 2020, apresentando um sistema nacional de inovação, no qual são apontados topicamente os planos para a indústria, impostos, mercado e governo, além de ser bastante didático ao explicar, em seu capítulo 4 - The case for a public role in innovation, o que deve ser feito em gestão do conhecimento.

Do capítulo 10 - Innovation in government, dedicado exclusivamente ao nosso foco, retirei esta meta, apenas para dar o tom da proposta: "Deve ser criado um comitê consultivo da Web 2.0, formado por especialistas e profissionais para ajudar os governos com tecnologias Web 2.0 e idéias de serviços. Pelo menos cinco experimentos substanciais devem ser implantados nos próximos dois anos e avaliados dentro de três anos...". Simples e direto, leitura boa para este fim de semana.

Quem também recebe créditos nesse relatório é o Governo de Cingapura que, através do Singapore Government’s Enterprise Challenge (TEC), dedica-se há nove anos a melhorar a entrega de serviços públicos, em conjunto da Public Service Division de lá, que são notórias expressões em i-gov. O TEC inspirou a estratégia australiana na criação de um fundo dedicado a novas idéias em governo, capaz de subsidiar projetos-piloto de inovações radicais em qualquer segmento da área pública. As propostas de Cingapura podem ser conhecidas aqui.

A propósito, de terça a sexta-feira da próxima semana, estarão em São Paulo os representantes de Gestão do Conhecimento e Inovação do Governo de Cingapura, participando do evento Global Make Conference 2009. A convite, vou acompanhar e depois informo neste nosso espaço.

A transposição de uma economia industrial para uma economia do conhecimento não se dá espontaneamente. Requer dos países que queiram ingressar nesse novo cenário muita visão estratégica e, a partir daí, ações concretas condizentes com as metas que vierem a ser traçadas.

As estratégias que permitam às nações ingressar nessa nova economia pela porta da frente, variam de país para país, de acordo com as realidades e potencialidades de cada um deles. Em todas as nações que já perceberam mudanças no ar, não é o nosso caso infelizmente, existe, no entanto, uma preocupação comum: estimular a inovação.

Países que queiram ter papel preponderante na nova economia sabem que, doravante, não basta mudar episodicamente, ao contrário, processos e produtos com ciclos de vida cada vez mais curtos apontam que é preciso mudar sempre.

Neste sentido, os dados obtidos no estudo recém divulgado, preparado pela Fundação Getúlio Vargas, sob encomenda da Ernst & Young, "Brasil Sustentável, Horizontes da Competitividade Industrial", me deixaram bastante preocupados.

Vou apontar aqui apenas alguns dos motivos que me levaram isto, convidando os qualificados leitores deste espaço a lerem a íntegra do trabalho.

1. Entre 1960 e 2005, o progresso tecnológico na indústria manufatureira brasileira cresceu 0,28% ao ano, contra 2,19% no Japão, 1,84% em Cingapura e 1,64% na Alemanha, os 3 países mais bem colocados. Na tabela apresentada no estudo, com vinte países, só ficamos à frente de Israel e Finlândia.

2. No comércio mundial de bens manufaturados, embora tenhamos crescido acima da média global entre 1990 e 2007, não aparecemos nem na lista dos os vinte maiores exportadores, nem na relação dos vinte maiores importadores. Nossa participação no mercado mundial de bens manufaturados é pífia. Ficamos atrás de Irlanda, Tailândia e Malásia por exemplo.

3. Em 2006, as exportações totais do Brasil atingiram 137,50 bilhões de dólares, das quais apenas 9,40 bilhões de dólares (6,8%) de produtos de alta tecnologia.

4. Ainda falando sobre exportação de produtos de alta tecnologia, o estudo da FGV menciona que mais do que em qualquer outro segmento, o sucesso, aqui, está fortemente atrelado à inovação que, por sua vez, está vinculada a investimentos expressivos e continuados em pesquisa e desenvolvimento. Mais uma vez os valores apresentados no trabalho não são animadores. Enquanto Estados Unidos, União Européia e Japão investiram em P&D, montantes respectivos de 292, 217 e 133 bilhões de dólares, os investimentos em P&D no Brasil ficaram próximos a 5 bilhões de dólares. A cifra brasileira corresponde, por exemplo, a um terço do investido pela Coréia do Sul, que na minha época de faculdade (anos 70) era um país pobretão e agora nada de braçada. É o nono maior exportador de produtos manufaturados do mundo.

5. Por fim, mas não menos desanimador, as projeções efetuadas pelo estudo mostram que, se nada for feito, haverá uma perda de participação do Brasil nas exportações mundiais entre 2007 e 2030. As estimativas para o crescimento das importações mundiais de manufaturas, nesse período, oscilam em torno de 3,7% ao ano e as exportações brasileiras, em algo como 1,8% ao ano. Os motivos para esta retração são: crescimento no custo da energia; gargalos na infra-estrutura; inadequação da estrutura tributária e investimentos insuficientes em pesquisa e desenvolvimento.

Se quizermos falar grosso nesse novo mundo, já sabemos onde atacar. Se, ao contrário, almejamos continuar vendendo mercadorias e importando conhecimento é só ficar vendo a banda passar.
Há algumas semanas comentei no blog iGovSaber sobre Infografia e Governo, a fim de avolumar o debate que travamos sobre a forma e o conteúdo das informações que os governos publicam, apontando para uma necessária prática de adotar a clareza e objetividade, cada vez que se pensar em transparência ou e-democracia.

Outro ponto que está nesse debate é a abertura dos dados públicos governamentais, permitindo o acesso e o desenvolvimento de aplicações pela sociedade que, ao extraí-los e traduzí-los inteligentemente dos bunkers do governo, transforma aquela informação em prestimosos serviços à comunidade.

A idéia do Sérgio Bolliger, por exemplo, é a de que os governos estimulem a criação de
mashups com suas bases, opinião também compartilhada pelo David Osimo no egov 2.0 e pelo pessoal da Apps for Democracy.

Surge uma luz, acesa pela Google que, ainda que fraca, ilumina essa escuridão criativa dos serviços públicos eletrônicos. Afinal, penso que o e-gov agoniza por falta de inovação no modelo de negócio e esta é uma oportunidade de redefinir a estratégia. 

O recurso criado pela Google, por exemplo, permite a transformação de dados públicos, diretamente de suas bases abertas, em gráficos interativos e inteligíveis, que podem oferecer comparações, cruzamentos e integração em sites, com poucos cliques.

Por enquanto, o experimento faz apenas um comparativo online da taxa de desemprego em todos os Estados norte-americanos, acessando diretamente os dados do
U.S. Bureau of Labor Statistics. Veja abaixo o vídeo mostrando como se faz ou acesse aqui para experimentar:



Se a iniciativa privada está disposta a criar esses mecanismos integradores, falta aos governos a decisão de abertura de acesso para que venham novos serviços públicos.

O Governador do Estado de Vírgina, EUA, Timothy Kaine, acredito que seja o primeiro governante a entender o recado. Há exatos dois anos, o governador Kaine anunciou uma parceria com a Google abrindo as bases informacionais do governo estadual, argumentando que o "objetivo é promover o acesso dos cidadãos aos recursos do governo, de modo simples, intuitivo e rápido.". Parte desse trabalho pode ser visto nos widgets disponíveis pelo site oficial de Virgínia.

Firmar esse compromisso com a transparência, abrindo o governo para seus cidadãos, como expresso ainda em campanha pelo presidente Obama, creio que não seja impossível, nem caro, só impõe estratégia arrojada e homens de boa vontade. 

Ontem x Amanhã

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De quando em vez, volta a baila a questão da liberação do acesso às ferramentas da web 2.0, tais como blogs, wikis e redes sociais, dentro das organizações.

Esta cantilena mostra, uma vez mais, que a maior ou menor abertura para a mudança nas organizações é balizada, normalmente, pela cultura predominante dentro delas, e não pela disponibilidade per se de novas tecnologias. Entidades que consolidaram ao longo do tempo um ambiente cultural mais aberto à mudança tendem a enxergar melhor o impacto do novo em seus modelos de negócio, conseguindo, desta forma, redesenhá-los mais rapidamente. Já aquelas organizações acostumadas a acompanharem o mundo pelo retrovisor, estão propensas a subestimar o impacto das ondas de inovação, hoje cada dia mais freqüentes e profundas.

Os governos, em geral, situam-se neste segundo conjunto, com um agravante, além dos obstáculos de cunho cultural possuem amarras de caráter legal que dificultam, ainda mais, a adoção de inovações.

Só que não dá mais para ser assim. Em tempos de mudança continuada, marcados pelo complexo e pelo transitório, todas as organizações, sejam elas privadas ou públicas, não podem se dar ao luxo de empurrar o novo com a barriga. Nos governos, em particular, que constituem nosso foco de interesse, a adoção das ferramentas sociais torna-se cada vez mais fundamental na definição de estratégias coerentes com a sociedade do conhecimento, no desenho de políticas públicas inovadoras e na implementação de novos serviços públicos.

E por tudo que li e vi, até aqui, na maioria dos casos, as mudanças trazidas pelos novos tempos têm sido mais bem percebida pelos políticos, mais sensíveis às novas demandas e comportamentos da sociedade, do que pela máquina administrativa, mais ligada em tecnalidades pouco relevantes em momentos de mudanças radicais. Não por acaso, as ferramentas sociais só foram sendo aceitas no setor público quando a vontade política manifesta por presidentes, primeiros-ministros, ministros e secretários de estado tornaram a decisão inexorável. A eleição e os cem primeiros dias da administração Barack Obama nos Estados Unidos são o mais claro exemplo disto. Mas há muitos outros, é só dar uma passeadinha pelas diversas postagens deste blog. Vale a pena ler, também, o estudo Governo 2.0 - Inclusão, Participação e Inovação como Estratégia preparado pela TerraForum Consultores.


Meu sentimento indica que nos países democráticos, essas iniciativas continuarão ganhando força e farão com que tentativas de proibir o uso das ferramentas sociais em organizações públicas, dentro em breve, soem tão estranhas como tentar revogar a lei da gravidade.