Dia 20 de novembro, em Vitória, participei como palestrante, do 4° Gestão das Cidades, evento promovido pela Secretaria de Estado de Economia e Planejamento do Espírito Santo e realizado pela Amunes - Associação dos Municípios do Estado do Espírito Santo.

No encontro deste ano, assistido por uma audiência recorde, foram discutidos diversos temas que podem, de alguma forma, ajudar a construir uma agenda de trabalho para os prefeitos e vereadores recém eleitos.

Tive a honra de dividir minha mesa com Charles McNeely, premiado Gestor da Cidade de Reno, localizada em Nevada, nos Estados Unidos. Ele fez um brilhante relato sobre sua experiência em Reno, iniciada em 1996.

McNeely informou que nos Estados Unidos cerca de 50% das pequenas cidades são administradas por um gestor profissional com formação acadêmica específica para o exercício deste cargo. Neste figurino, o prefeito fica liberado para o cumprimento de uma agenda mais política, deixando para o gestor a administração do dia a dia da prefeitura.

No caso de Reno, o Gestor assina um contrato com o Prefeito e com o Conselho da Cidade, algo como nossa câmara dos vereadores, composto por sete membros. Neste instrumento são fixadas as políticas, programas e projetos prioritários da cidade, cujo cumprimento será o objeto do contrato do gestor.

Nesta postagem, gostaria de destacar alguns pontos que me chamaram muita atenção na fala de McNeely, por serem exemplos práticos de condutas que temos recomendado nos diversos blogs da rede paulista de inovação.

1. Em um mundo globalizado, no qual cidades de diversos tamanhos, perfis e nacionalidades competem avidamente por atividades de ponta, centradas no conhecimento, o planejamento estratégico passa a ser uma peça indispensável para quem queira aparecer como alternativa viável com vistas a atração desses recursos. Perguntas do tipo: que cidade queremos ser daqui a 5, 10 e 15 anos, por exemplo, devem nortear as ações de dia a dia, sob pena de afastar a cidade da rota da riqueza e da qualidade de vida.

2. Nada pior para a cidade do que a descontinuidade. Programas, projetos e ações prioritárias não podem ser relegados a um segundo plano, à cada troca de governo. As prioridades devem expressar o desejo mais amplo da comunidade e devem ser buscadas, independente do comando político em um dado momento.

3. Para que as prioridades expressas nos documentos públicos reflitam, de fato, os legítimos anseios dos moradores da cidade, é preciso buscar o mais alto grau de participação cidadã, ouvindo todos os segmentos que compõem a sociedade local, costurando com muito cuidado eventuais divergências. Só assim surgirá o espírito de comunidade que blindará as prioridades escolhidas contra possíveis retrocessos.

4. A crescente complexidade das políticas públicas demanda recursos humanos com altíssima qualificação (a propósito, McNeely comanda uma equipe de 1700 funcionários, envolvendo um orçamento anual de 478 milhões de dólares). Por isso, torna-se indispensável que esses profissionais estejam aprendendo o tempo todo, prática considerada essencial para o sucesso da missão do gestor.

Confira a íntegra da apresentação. Vale à pena.

Além da sua palestra, Charles McNeely falou com exclusividade para o Persona, sobre recrutamento de talentos e sobre o uso da Internet na cidade de Reno.
Talvez por coincidência ou propósito que desconheço, boas pessoas inovadoras que conheci na administração pública nesses anos tem, além desta característica da inovação em comum, um outro ponto que os une: admiram Dom Quixote.  

Nada de fanatismos ou auto-comparações com o Cavaleiro da Triste Figura, mas reparo silenciosos sinais de que a obra de Cervantes os inspira e de certa forma os ajuda a persistir, pois sabemos que inovar no setor público é aventura que exige, no mínimo, perseverança e consolo. A criatividade, a loucura, a melancolia, a esperança, a alegria e a realidade presentes em Dom Quixote e Sancho Pança já inspirou outros tantos inovadores, como Pablo Picasso, autor da imagem reproduzida neste post, que enxergaram além da sátira, a nobreza do fidalgo de La Mancha.

Mas faço esta introdução apenas para anunciar duas iniciativas vindas de Espanha e que utilizam a tecnologia de mapas na web: a primeira é Rutas de Don Quijote , onde o governo de Castilla-La Mancha oferece ao usuário um guia online das andanças do cavaleiro e seu escudeiro, em versões desktop, pdf e mobile. Um tipo de lítero-turismo que poderíamos fazer por aqui com as obras de Jorge Amado ou Guimarães Rosa.

Outra aplicação utilizando mapas, é o Innova Barcelona, um completo Mapa da Inovação desse grande centro espanhol que aponta, em escala georeferenciada e com informações preciosas,  as fontes de financiamento e de apoio, centros de pesquisa e casos de sucesso em inovação presentes em Barcelona. 

É um show visual, interativo e de alta qualidade em conteúdo, mostrando uma metrópole preparada, disposta à criatividade e à inovação, com governantes que já entenderam o recado do século XXI. 
Dedicamos anteriormente neste blog vários posts à campanha eleitoral de Barack Obama, elogiada pelo uso da internet e das ferramentas sociais, também comentada em nosso podcast, que adiciona os elementos estatísticos e estratégicos que foram recentemente revelados sobre essa vitoriosa campanha.

Entre as revelações, a NewsWeek está publicando online uma enorme reportagem em sete partes, contando os bastidores da campanha, que inclui alguns toques da estratégia web e os conflitos entre crackers.

Também sobre os bastidores webelections, o Chicago Tribune exibe fotos e comentários do comitê de campanha, apresentando Chris Hughes, jovem de 24 anos e um dos fundadores do FaceBook, que ganhou o posto de "guru da campanha online". Não esqueçamos que em 2007, o então senador Obama teve um encontro com Marc Andreessen, aquele que criou o Netscape e o portal de rede social Ning, justamente para aprender sobre ferramentas sociais. Esse encontro é relatado por Andreessen em seu blog.

Entretando, passada a ressaca das eleições, é hora de olharmos a transição; e neste ponto a equipe do presidente eleito também não decepciona.

Eu já havia acessado o White House Transition Project, que existe desde 1997 e relata todas as transições presidenciais, oferecendo um acervo de recursos e documentos, entre eles o "Recommendations for an Effective 2008 Transition", de Clay Johnson, executivo de governo e quem cuidou da transição Clinton-Bush.

Mais recentemente conheci o The White House 2, que está colhendo adesões à propostas para os primeiros 100 dias de governo Obama, onde o cidadão pode votar as prioridades. Interessante site que mostra em segundo lugar, entre as prioridades que devem ser cuidadas pelo presidente, fazer com que os USA sejam líder em "empregos verdes" e inovação (Make the U.S. a leader in green jobs and innovation). Isso combina muito com o que o Pepe escreveu no post anterior.

Agora, no dia seguinte ao resultado das eleições, a equipe de Obama colocou no ar o seu site de transição The Obama-Biden Transition Project que, além de apresentar a evolução da nova administração, a agenda de prioridades do novo governo, as nomeações e ocupações de cargo, convida a interação do povo americano com duas frases-chaves: "Conte-nos sua história" e "Compartilhe suas Idéias". Ambas propõem ao usuário participar ativamente deste momento histórico.

Sabemos que nada disso surge de repente, do improviso. A campanha de Obama, iniciada há 22 meses tem, no mínimo desde julho último, preparada a estratégia da transição e posse, não por presunção, mas porque um candidato que não se prepara para assumir o cargo, no mínimo seis meses antes, não está preparado nem para ser candidato, como recomenda Clay Johnson. Se o uso de ferramentas Web 2.0 foi importante na campanha, também deve ser utilizado na transição, como recomenda e instrumentaliza o excelente artigo de Mark Dapreau.

E também, é claro, deve ser utilizada na gestão, logo após a posse. Vamos acompanhar.
Se a sequência eleições-transição-gestão do novo governo americano seguir com coerência o uso colaborativo de idéias e conhecimento, talvez tenhamos um inovador modelo de gestão, concentrando e usando conceitos de economia de colaboração, cauda longa, emergência, ferramentas sociais, convergência tecnológica e tudo aquilo de bom que surgiu nos últimos oito anos, mas não tínhamos ninguém para liderar.
Como já mencionamos em outras ocasiões, o surgimento do conhecimento como fator estruturante da economia, neste início de século, tem obrigado países e organizações a repensar suas estratégias, ainda muito contaminadas por paradigmas de uma sociedade industrial que perde sua força a cada dia que passa.

Um novo livro, há pouco lançado nos Estados Unidos, “Who’S YOUR City?”, de Richard Florida, professor e pesquisador norte-americano, apresenta algumas cifras bem interessantes que fornecem um pouco mais de luz para os que se interessam em compreender os complexos fundamentos desta economia emergente, baseada no conhecimento.

Segundo o autor, o sucesso nos negócios na economia global dependerá crescentemente da compreensão do perfil, hábitos e preferências da chamada classe criativa, profissionais ligados aos setores de tecnologia da informação e comunicação, arquitetura, engenharia, educação, treinamento, artes, design, entretenimento, esportes, imprensa, gestão, finanças, saúde, marketing e outras atividades de alta sofisticação.

Dentre as muitas observações feitas por Richard Florida, na obra acima apontada, e em outros veículos de comunicação por ele coordenados ou freqüentados, destacamos três delas para comentar neste espaço:

1. A classe criativa, neste início de século XXI, responde, nos Estados Unidos, por 31% dos postos de trabalho e 50% da massa salarial. As mesmas cifras para a indústria são de 23% e 20% respectivamente. No início do século XX, a industria era, de longe, o setor líder da economia, abrigando mais de 40% da força de trabalho contra apenas 10% dos postos ocupados pela classe criativa. (veja o mapa)


2. Mais do que os países, a economia mundial é hoje explicada por não mais do que 40 mega-regiões. Elas respondem por 17% da população, 2/3 do PIB e 85% das inovações globais. (confira o mapa de inovações)

3. Estas cifras, segundo o autor evidenciam que o mundo não é plano como sugere a obra de Thomas Friedman, e sim bicudo, pontiagudo. As pessoas, os talentos cada vez mais escolhem onde querem trabalhar, e esses locais, pelo conjunto de atributos requeridos, como qualidade de vida, facilidade de acesso, diversidade, opulência cultural, entre outros, são escassos e diferenciados em relação a outros territórios.

Estas observações novamente me trazem à mente a seguinte questão: Será que o Brasil e nossas regiões mais competitivas globalmente estão conscientes dos desafios que teremos que enfrentar para sermos uma nação justa e opulenta, ao final do século XXI? Se existe esta consciência, ela, definitivamente, não aflorou na agenda das recentes eleições municipais. Vamos ver em 2010.

Para concluir, convido-os a dar uma espiada no site do autor, ele dispõe de um conjunto bastante amplo de cifras, mapas e comentários sobre a revolução silenciosa provocada pela classe criativa. Quem tiver interesse, que ponha as mãos à obra, isto é, a cabeça para pensar.